Em defesa do redimensionamento (praga
que se alastra por todo país), durante audiência no Ministério Público, em 24
de julho de 2013, foi argumentado pela Seduc que “o transporte escolar em
Juazeiro acontece com frota nova de carros, motoristas qualificados e cuidadoras
que promovem atividades pedagógicas”. Aparentemente trata-se de um passeio pela
Disney, mas a realidade está muito mais para trem fantasma.
No encerramento da I Semana de
Cultura, Ciências e suas Tecnologias da E. E. F. Izaufran Moreira de Freitas,
em 14 de dezembro de 2013, surgiu a ideia de uma aula de campo com o Fundamental
II para discutirmos a questão do lixo e da reciclagem. Considerando que os
alunos já residem no campo, fizemos um roteiro para visitar o espaço urbano (não
o centro comercial já conhecido por eles).
A data inicial acordada foi quinta-feira,
26 de dezembro de 2013. Ao solicitarmos o ônibus escolar sugeriram a sexta-feira,
dia 27, pois a quinta já estava preenchida. Concordamos com a sugestão e
agendamos a concentração na escola às 16:00 para saída às 16:30. O ápice do
nosso roteiro era a revitalização da Praça dos Ourives, reinaugurada como Praça
Leandro Bezerra, a fim de discutirmos a reutilização das embalagens recicláveis
na decoração natalina. Pretendíamos voltar 19h para que os alunos pudessem
visualizar e fotografar a decoração apagada e acesa.
Através de cota entre os professores,
preparamos para cada aluno uma sacola de TNT com bombons, chocolates e
amendoins caramelizados. Quando me preparava em minha casa para torrar as pipocas
que ainda seriam ensacadas, o celular toca. Eram os estudantes avisando que já haviam
deixado o sítio. A ligação picotada caiu antes que eu pudesse entender o que
estava havendo. Os telefones dos alunos não davam mais área. Liguei para os
outros professores que haviam recebido ligações semelhantes. As informações
como peças desordenadas não se encaixavam.
Talvez fosse uma alternativa telefonar
para a direção – se houvesse uma. O último diretor pediu demissão, pois o
deslocamento da casa dele até a escola era muito longo e não compensava
financeiramente permanecer no cargo.
Para não lhe fazer experimentar nosso
desespero, resumirei o que houve e que infelizmente só fomos tomar conhecimento
quando encontramos os alunos. Acima eu apresentei o nosso planejamento,
acordado por todas as partes. A execução antecedeu a programação em uma hora,
impedindo que professores e alunos chegassem a tempo.
15:00 = escola ainda fechada, o
motorista estaciona o ônibus e avisa aos vizinhos que sairia em 30 minutos. Os
alunos que moram nos arredores da escola foram até lá explicar que a saída
estava marcada para 16:30 com o acompanhamento dos professores. Seu Dedé
respondeu que não precisava da presença dos professores para sair de lá.
Ignorou a justificativa de que não havia como avisar da antecipação aos estudantes
que moram distante.
15:30 = uma mãe ao perceber que havia
algo errado ingressa no ônibus junto com os 20 estudantes que conseguiram se
arrumar a tempo. Os outros alunos foram deixados para trás e o motorista seguiu
em alta velocidade por uma estrada repleta de curvas – a Rodovia Pe. Cícero que
dá acesso a Caririaçu – ignorando os protestos da senhora que acompanhava sua
filha.
Felizmente o ônibus passa pelo Prof.
Francisco que ia abrir a escola. Os estudantes ao reconhecerem a moto gritam
para o professor que fez o retorno e seguiu o ônibus sem compreender o motivo
da antecipação. Como nos sítios não há boa cobertura para celulares, os alunos
só conseguiram telefonar para os outros professores quando já adentravam na
área urbana. Não eram 16h ainda quando os estudantes foram literalmente
despejados na Praça Leandro Bezerra com o aviso do motorista que sairia dali
pontualmente às 17h. Apesar dos protestos do Prof. Francisco e de outros
professores que já estavam no local.
Eu, que não conseguia decifrar o
mistério, mandei as pipocas às favas e segui às pressas para a praça. Ao chegar
encontrei os professores numa reunião que dividia opiniões entre seguir o planejado
ou ceder a pressão do motorista. Na votação a maioria decidiu por manter o
roteiro: esclarecimentos sobre Sustentabilidade Ambiental no espaço urbano, distribuição
dos kits e caminhada (Estação do Metrô, Parque de Diversões, passarela, Igreja de
São Francisco, Passeio das Almas e retorno pela Praça dos Franciscanos).
Quando deixávamos o pátio da igreja o
motorista se aproximou e gritou a uma distância de 10 metros que só esperaria
mais 10 minutos e iria embora com o ônibus. Retivemos os alunos apesar da
revolta generalizada, enquanto dois professores seguiram para negociar com o
motorista. Seu Dedé saiu andando a passos largos, ignorando os protestos dos
professores que tiveram que correr para acompanhá-lo.
Resumo da negociação: os professores
ouviram cobras e lagartos por terem saído com os alunos da Praça Leandro
Bezerra, pois segundo o motorista a Aula de Campo seria apenas lá e ponto. Os
argumentos para ter antecipado a programação em uma hora foram claríssimos: Seu
Dedé “não gosta de trabalhar nas sextas”, “muito menos gosta de trabalhar final
de ano” e estava de viagem marcada para Fortaleza naquela noite. (Graças a Deus
eu não presenciei essa cena, teria terminado em hospital, cadeia ou cemitério!).
Depois de chamar a atenção das pessoas que passavam pela praça naquele final de
tarde com seus gritos, o motorista cedeu aos apelos dos professores e concordou
em sair pontualmente às 18h, independente das luzes terem acendido ou não.
Na tentativa de distrair os alunos
menores do que estava acontecendo, levamos todos para uma lanchonete e pagamos
refrigerante para eles. Essa despesa não estava programada, mas precisávamos retê-los
em algum lugar até que os conciliadores voltassem com alguma notícia
pacificadora.
Era mais de 17:30 quando chegamos à
Praça Leandro Bezerra para o debate sobre tudo que havia sido observado no percurso
e conclusões individuais. 18h, acenderam as luzes pontualmente, estávamos a
postos ao lado do ônibus. 18:10, 18:15, 18:20... E nada. Sabe aquele motorista
que estava apressado para viajar? Conversou com os camelôs do outro lado da
praça até mais de 18:30. Enquanto, nós, professores, sofríamos para manter os
alunos em espera, sem se dispersarem.
O professor Francisco guardou sua moto
numa residência ali perto para ir dentro do ônibus acompanhado o retorno até o
sítio. Noite? Estrada esburacada? Curvas? Protestos do professor, da mãe e dos
alunos? Por que se preocupar com bobagens? Ninguém morre no trânsito no Brasil,
muito menos nas festas de final de ano.
Seu Dedé não é uma exceção. Do Oiapoque
ao Chuí estudantes são carregados como quem transporta lixo reciclável – sim lixo,
se fosse animal o dono reclamaria. Mas aluno tem dono? Aluno de escola pública
tem dono? Aluno da zona rural tem dono?
Aviso aos navegantes, esse é o
transporte escolar que a prefeitura oferece como solução para o fechamento das
salas de aula. Declaração da Seduc em audiência pública: “nosso transporte
escolar é padrão MEC”. Oremos!
| 2013 |
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